Olá...
Dando uma vasculhada nos blogs de minha predileção, encontrei no do Pedro Demo o texto que reproduzo abaixo. O texto é, em minha opinião, bem interessante pois ressalta o papel fundamental que a Pedagogia deve ter no contexto educacional contemporâneo e traça a também fundamental relação entre o ensino, o aprendizado e as tecnologias digitais, colocando-os como fatores intrínsecos à ação educativa.
Espero gostem e também espero que visitem o Blog do Pedro Demo. Em um dos encontros futuros do Gepetts está programado o estudo dele. Portanto, a visita ao blog do Pedro dá acesso a textos sobre diversos assuntos relacionados à educação que nos permitem conhecer um pouco mais sobre o autor, suas idéias, concepções e, também, nos instigam a refletir...
Até...
Marcelo Marchine Ferreira
:: Pedagogia :: Por Pedro Demo :: 2010 ::
Em homenagem aos pedagogos, faço aqui uma defesa da pedagogia. É um dos cursos mais decadentes hoje, mas é o mais importante. Assim como não faz sentido assegurar que educação é fundamental para a economia e a melhoria salarial, e manter o professor ganhando muito mal, também não faz sentido apregoar os desafios da sociedade intensiva de conhecimento e manter seu protagonista maior – o professor – marginalizado. Embora desenvolvimento seja naturalmente processo de longo prazo, o investimento no professor, em especial no pedagogo, é o caminho mais promissor e mais curto. O aluno aprende à imagem e semelhança do professor, tanto assim que, quando avaliamos o aluno, acabamos avaliando, impreterivelmente, também o professor. O pedagogo não é “culpado” – a acusação de culpa é má consciência por não cuidarmos dele minimamente – é apenas vítima do sistema educacional que, em sua eterna hipocrisia, prega uma coisa e faz outra, de preferência contrária e contraditória (Buarque, 2008). Educação é sempre “prioridade”, menos pedagogia e os pedagogos. Podemos criticar como quisermos – certamente muitas críticas são adequadas – mas não escapamos de valorizar esta profissão tão estratégica e indispensável (Demo, 2007
I. FIGURA ESTRATÉGICA
O ponto de partida mais recomendável seria, certamente, a sociedade da qual o pedagogo faz parte: sociedade que se diz intensiva de conhecimento (Duderstadt, 2003). Todas as sociedades humanas são sociedades do conhecimento, porque conhecimento é marca preponderante. Mas esta era é dita “intensiva” de conhecimento, porque, mais que outras, conhecimento contamina todas as suas dobras. Por extensão, diz-se também sociedade da aprendizagem, porque se tornou patente que aprendizagem é processo que dura a vida toda, cuja identidade só permanece, se mudar. Vamos nos desconstruindo e reconstruindo processualmente, porque, neste sentido, vida e aprendizagem são sinônimos. Uma das características esplendorosas da vida é a construção da autonomia, sendo que uma das rotas mais fundamentais desta construção é saber aprender (Capra, 2002). Disto já se depreende que aprender não pode ser gesto reprodutivo: a matéria se fez vida, porque sabe aprender... Na sociedade intensiva de conhecimento e aprendizagem, professor, em particular o pedagogo, assume a condição de exemplo primordial.
Primeiro, é o profissional da aprendizagem (Darling-Hammond & Sykes, 1999). Faz da aprendizagem sua profissão e por isso carece apresentar-se como aprendiz contumaz. Aprende a vida toda, permanece estudando, pesquisando e elaborando. Segundo, é o profissional do conhecimento, não necessariamente porque produz resultados sofisticados metodologicamente falando, mas porque sabe fazer do conhecimento rota formativa no aluno. Terceiro, é o profissional da autoria: dá aula porque é autor. Não se define pela aula, mas pela capacidade de produzir conhecimento com qualidade formal e política. Seu horizonte mais básico está voltado à preparação para a vida, como se imagina nos primeiros degraus da educação básica (principalmente educação infantil e ensino fundamental). Mas guarda importância decisiva também como iniciação ao mercado, porque o mercado de hoje – globalizado e competitivo – exige trabalhadores que sabem pensar, aprender, pesquisar, elaborar. Já não basta contar “anos de estudo”, como fazem as estatísticas. É imprescindível que tais anos tenham sido e sejam sempre de aprendizagem. De fato, aluno aprende bem com professor que aprende bem (Demo, 2008). Por todas essas prerrogativas, o pedagogo aparece na cena como figura estratégica. Entende-se por figura estratégica aquela que define as propriedades e desafios, expressa presença iniludível, saber lidar com recursos e propostas, ou seja, é decisiva.
Esta figura estratégica ganhou contornos tanto mais apropriados, através de propostas críticas, cujos patronos são formidáveis como Escola de Frankfurt, Freire, Gramsci, Saviani, Brecht, além de Sócrates (o pai dos pedagogos) (Darder et alii, 2009). Postula-se que educar requer espírito crítico, para não decair facilmente em domesticação. Segundo Freire (1997), educar é saber influenciar o aluno de tal modo que não se deixe influenciar. Falava de um tipo de “autoridade” que não sufoca e oprime, apontando sempre para a “pedagogia do oprimido” (2006): enquanto o oprimido esperar do opressor a libertação, não tem chance. Carece gerar espírito crítico para dar-se conta de sua condição de massa de manobra, bem como de produzir proposta alternativa própria, para não depender dos algozes. As pedagogias críticas nem sempre são coerentes (em geral são monolíticas, respondendo a um erro com o erro oposto) (Demo, 2010), pois fogem da autocrítica e de serem criticadas. Mas são visões insubstituíveis para se poder trabalhar a emancipação popular (Saviani, 2005. Demo, 2004).
Pedagogia é o curso mais importante da universidade porque define a razão maior de todos os cursos: aprender. Em consequência, defende-se que todo professor deveria deter algum fundamento pedagógico, para poder lidar melhor com a aprendizagem dos alunos. Muitas vezes, confunde-se esta preparação com “saber ensinar” ou “dar aula”, por conta da herança rançosa instrucionista. Todos os cursos deveriam poder mirar a pedagogia para contemplar o exemplo consumado de aprendizagem adequada: professores autores, foco no aluno, estilos participativos, reconstrutivos, maiêuticos, nos quais aula é detalhe sempre secundário, se tanto. Na pedagogia se armam ambientes adequados, atualizados, abertos de aprendizagem e que servem de inspiração para todos os outros cursos. Na pedagogia, igualmente, se sabe avaliar a aprendizagem, em especial em sua dinâmica qualitativa, bem como orientar, evitando-se a postura autoritária docente.
II. MAZELAS DA PEDAGOGIA
São muitas as mazelas, porque o curso ainda é decadente. Foi arrastado a propostas sumárias por volta de dois anos e meio de duração, agravando a imagem negativa de curso desvalorizado. Pedagogia, frequentemente, é última opção. É primeira opção para se inventar um curso pouco exigente e fácil de manejar, em especial em ambientes mercantilistas. Entre as mazelas da pedagogia podemos citar:
a) Fundamentação científica e metodológica precária, mantendo-se estilo normativo de discurso, por vezes piegas; embora se usem teorias emprestadas das ciências sociais e algumas naturais (biologia, por exemplo), não se acolhe o rigor científico previsto, mostrando-se sobretudo no campo metodológico a imperícia na pesquisa; inventou-se a “pesquisa qualitativa” em parte para facilitar a vida de pedagogos que não dão conta de estatística e lógica abstrata (Demo, 2001; 2004), o que também não resolveu muita coisa, precisamente por falta de qualidade metodológica; a crítica ao positivismo foi importante e marcou o espaço de atuação, mas os resultados se mantiveram preliminares;
b) Estigmatização do curso como facilitado, encurtado e pouco promissor em termos de mercado (professor de escola pública); em geral não dura três anos, enquanto deveria ser um curso de cinco anos, dada sua importância, complexidade e necessidade de atualização; persiste o estereótipo: pedagogia é curso para quem não quer estudar muito, principalmente matemática;
c) Desatualização generalizada do curso; primeiro, desatualização em termos propriamente pedagógicos, porque está mergulhado no instrucionismo – nele se dão aulas e se aprende, na prática, a dar aula; não se toma conhecimento das teorias mais modernas e pós-modernas de aprendizagem (Demo, 2002), mantendo-se procedimentos medievais de transmissão copiada de conteúdos, cuja função é ser copiada pelos alunos; segundo, desatualização tecnológica, quando não forte resistência (Stoll, 2009. Siegel, 2008), às novas tecnologias, postando-se fora do mundo contemporâneo, em especial frente às novas gerações;
d) Falta de autoria docente e discente, do que segue dar aula sem autoria com a maior tranquilidade, sem se aperceber que é plágio; à revelia de discursos críticos e transformadores (por conta da pedagogia da transformação de inspiração freireana), a pedagogia preserva o olhar voltado para trás, permanecendo destituída da habilidade de produção de conhecimento e da habilidade de formar estudantes produzindo conhecimento; desconhecem-se os movimentos (em geral virtuais) de promoção da autoria, nos quais todos participam produzindo textos próprios, por mais simples que possam ser (wikis, blogs, etc.);
e) Baixíssima autoestima e falta de controle da profissão colocam o exercício profissional à deriva, sem rumo, decadente; a predominância maciça do sexo feminino indica também que se trata de profissão relegada a segundo plano, no contexto dos privilégios patriarcais: ficam para a mulher funções menos nobres, em particular cuidar de crianças, permitindo, ainda, que se paguem remunerações aviltadas; em todo lugar em que se pagam salários adequados a presença masculina cresce “naturalmente”; por falta de uma “Ordem dos Pedagogos do Brasil”, a profissão é devassada por todo mundo que se mete a “professor” e comparece como refúgio fácil de gente mal preparada e que não gosta de estudar (Demo, 2008a).
O que mais preocupa no pedagogo são a carapuça de desatualizado e o desconcerto entre discurso e prática. Duas discussões se põem neste horizonte. Na primeira, preocupa o pedagogo desatualizado porque não sabe discutir com autonomia e autoria os desafios propostos pelas novas tecnologias e pelos novos tempos. A função essencial de manter o “olhar do educador” com respeito às tecnologias, em sentido crítico, não aparece porque o pedagogo está “por fora”. A segunda, refere-se à falta de prática tecnológica: enquanto a geração net comparece adornada de todos os badulaques imagináveis, o pedagogo é bem capaz de aparecer nu, ou apenas com um celular fajuto. O discurso da transformação social perde-se no vazio, já que a aprendizagem escolar continua precaríssima.
III. INCLUSÃO DIGITAL
A centralidade da pedagogia surge de outra temática contemporânea da maior relevância: inclusão digital. Levando-se em conta a importância das novas alfabetizações, bem com das habilidades do século XXI, saber lidar com computador/internet, manejar informação e conhecimento, exercitar autoria individual e coletiva em ambientes virtuais, aprimorar o espírito crítico e científico, dificilmente se escapa de reconhecer que a inclusão digital mais promissora é pela via da aprendizagem escolar (Demo, 2009). Tradicionalmente, a inclusão digital se escuda em outra concepção considerada inepta, como instalar um laboratório de informática em cada escola, distribuir computadores na escola, promover cursos (sobretudo “cursinhos”) de digitalização ou coisa parecida, fazer campanhas eventuais, etc. A razão por que tais propostas não “pegam”, é porque não fazem parte do processo de aprender. Primeiro, é preciso conquistar o pedagogo, no sentido de que se torne tecnologicamente correto, ou seja, insira em sua estruturação da aprendizagem ambientes virtuais como naturais e normais. Neles exercita sua autoria, pesquisa e elabora, argumenta e contra-argumenta. Nele ensaia propostas colaborativas e interativas. Na escola, a introdução de ambientes virtuais de aprendizagem dotados de devida qualidade (feitos para se aprender bem, como oportunidade nova e inovadora) depende, acima de tudo, dos pedagogos. Sua participação é essencial também porque necessitamos impreterivelmente de espírito crítico frente às novas tecnologias, ou, o “olhar do educador”, que nem pratica “tecnofilia”, nem “tecnofobia”. A qualidade educativa possível nas novas tecnologias é coisa de pedagogo. Segundo, trata-se de introduzir o aluno em ambientes virtuais de aprendizagem, o que, em geral, não impõe grandes problemas, já que a nova geração se dá bem com computador e internet. Existem muitas ideias na praça, com realce para o programa “um computador por aluno” (UCA) (Zittrain, 2008), porque se imagina como oportunidade renovada de alfabetização já encaixada em ambientes virtuais. Entretanto, um programa como esse só poderia ser levado adiante, se os pedagogos o abraçassem sem temor e com espírito crítico, combinando duas vertentes nem sempre confluentes: acompanhar os avanços incansáveis das novas tecnologias (muitas vezes excessivos e mercadológicos), e garantir a razão maior de ser delas, que é aprendizagem tanto mais pertinente.
Entrando pela via da aprendizagem, em especial das novas alfabetizações na escola, a inclusão digital ganha outro horizonte. Sai da condição de eventos esparsos e diletantes, para a de estruturação para a vida toda. Computador e internet, para além de inúmeras outras funções e chances, passam a parte integrante da maneira de aprender e de lidar com conhecimento. Fica para a vida. De fato, a inclusão digital está cada vez mais próxima da inclusão social, porque, em certo sentido, a inclusão digital condiciona as outras. Participar na sociedade intensiva de conhecimento e aprendizagem implica manejo eletrônico, considerado “alfabetização” também, como instrumentação ubíqua. Não é mais optativo. É avassalador. Entretanto, para tomar rumos favoráveis aos interesses da sociedade (não do mercado apenas), é indispensável a presença do pedagogo, de quem se espera que, sabendo lidar com tecnologia, imprima a ela significações pertinentes em termos de qualidade e igualdade de oportunidades.
ENFIM
Precisamos, na rapidez possível, reconstruir o futuro da pedagogia. Implica corte profundo frente às pedagogias atuais, flagrantemente instrucionistas, resistentes e estáticas. Precisamos colocar pedagogia na frente dos tempos, para que os tempos ganhem rumo. Precisamos criar uma pedagogia que seja o troféu da nova geração em termos das oportunidades de aprender bem. É situação esdrúxula, incômoda. De um lado, constata-se ostensivamente que se trata de um dos cursos mais aviltados e decadentes. A imagem comum é que pedagogia faz quem não conseguiu melhor chance (com exceção dos vocacionados). De outro, não é difícil desenhar sua importância estratégica para o desafio do desenvolvimento desta sociedade intensiva de conhecimento e aprendizagem. É o curso mais importante. É o curso dos cursos, porque define o que é, e como, aprender. Ao mesmo tempo, seria de se esperar que os pedagogos cuidem da pedagogia, impedindo que se torne “saco de pancadas” e butim de aventureiros. Como curso, deveria durar no mínimo quatro anos e rivalizar frontalmente com os melhores da universidade.
BIBLIOGRAFIA
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