quarta-feira, 12 de maio de 2010

Cenários e tendências da educação superior brasileira


Olá a todos...

Reproduzo abaixo artigo que entendi ser importante para as discussões do grupo. Espero que gostem e que comentem sobre ele. Aliás, faz-se importante que nós, do grupo, comentemos os textos aqui postados ou reproduzidos. Acredito que as discussões são importantes. pensem nisso!

Abraços.


Artigo de Ronaldo Mota
Capturado do JC e-mail 4008, de 12 de Maio de 2010.

"Não há teoria educacional aceitável que não esteja baseada na prática. Pouco coopera também a prática dissociada e que dispensa teorias"

Ronaldo Mota é secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

A compreensão adequada do mundo atual passa por, a partir do conhecimento do passado e da percepção do presente, ampliar nossa capacidade em definir tendências. Estudar tendências não é o mesmo que prever futuros, mas sim tratar analiticamente as possibilidades múltiplas do futuro. Listaremos a seguir algumas tendências educacionais.

Tendência 1: Educação flexível, em oposição às modalidades tradicionais presencial e a distância

Emerge no cenário atual uma tendência denominada educação flexível, a qual incorpora as duas chamadas modalidades, presencial e a distância. Esta tendência surge em contraposição à caracterização geral que acredita nas duas modalidades como coisas separáveis, distintas e até mesmo antagônicas.

As atividades propostas aos estudantes que precedem os momentos presenciais não têm a intenção de substituí-los, mas de prepará-los para uma nova dinâmica de sala de aula. As abordagens aqui propostas aproximam-se daquilo que costumamos denominar de modalidade híbrida flexível, a qual procura combinar os elementos mais adequados das duas modalidades, presencial e a distância.

Educação flexível permitirá que num cenário próximo que cada estudante ao início do calendário letivo possa, por exemplo, escolher algumas disciplinas com características mais presenciais e outras a distância. Aquelas hoje chamadas presenciais farão uso de muitas ferramentas que atualmente associamos com a modalidade a distância. Por sua vez, as disciplinas ditas a distância incorporarão cada vez mais atributos da presencialidade, trabalhos em equipe com seus colegas, laboratórios etc., originalmente características que costumamos associar com a modalidade presencial.

Tendência 2: Andragogia versus pedagogia

A segunda tendência diz respeito às concepções andragógicas, associadas à necessidade de repensar nossas metodologias educacionais à luz do fato que boa parte de nossos estudantes da educação superior brasileira está alterando rapidamente seu perfil de faixa etária, origem socioeconômica e suas expectativas.

Os dados recentes do Inep apontam que já são mais de 40% das matrículas no ensino superior de estudantes com mais de 25 anos. Ainda assim, por incrível que pareça, a pedagogia (de paidós, criança em grego) permanece sendo a abordagem absolutamente dominante, independente e indistintamente de estarmos lidando com crianças, jovens, adultos ou população mais idosa.

Na verdade, andragogia (de andros, em grego homem/adulto) é um conceito educacional diferenciado, especialmente voltado à educação de adultos, permitindo oportunizar experiências educacionais inovadoras. Nessas abordagens, os estudantes têm um papel mais ativo em seus processos de aprendizagem, em coerência com as perspectivas de formação continuada e ao longo da vida, superando o período de educação escolar tradicional.

Dentro das abordagens andragógicas, haverá uma tendência crescente no sentido de recuperar o Método Keller. Trata-se de método, também conhecido como Processo Autoinstrutivo, que faz uso de uma estratégia no processo ensino-aprendizagem que é diferente substancialmente das metodologias tradicionais, as quais são baseadas tipicamente em aulas expositivas como meio primário segundo o qual os estudantes tomam contato com a matéria.

Tendência 3: Contribuições centrais dos laboratórios e do trabalho em equipe

Dois elementos educacionais, que por descuido têm sido entendidos como meramente complementares, são, de fato, essenciais no processo ensino-aprendizagem. São eles:

1. o laboratório como espaço de prática, onde os conceitos são consolidados, os pensamentos abstratos assumem a solidez da experimentação e efetiva-se a oportunidade de erros e acertos, simulando o exercício mais próximo possível da atividade profissional, reforçando as bases do pensar segundo o método científico;
2. o trabalho em equipe, onde aspectos primordiais do aprendizado são explorados, via construção coletiva, onde a percepção do(s) outro(s) é experimentada e desenvolvida, despertando e incrementando o (re)conhecimento das limitações e potencialidades, próprias e dos demais, além de ser espaço preferencial para cultivar o respeito à tolerância e à diversidade.

Há que se possibilitar a formação de profissionais sem medo de inovações tecnológicas, sejam elas quais forem. Postura frente ao inédito passa a ser mais ou tão importante como conhecê-lo, dado que perene, permanente, hábito, costume. Estamos no mundo da educação permanente, ao longo de toda vida, etapas que se sucedem, sendo estudantes para sempre. Ou nos acostumamos a esta nova realidade ou ela nos atropela. São etapas infindas, sucessivas e permanentes.

Tendência 4: Simples, basta estudar antes

Não há teoria educacional aceitável que não esteja baseada na prática. Pouco coopera também a prática dissociada e que dispensa teorias, dado que errática. Se um resumo fosse necessário para identificar de forma sintética a "novidade" ou "característica" do processo proposto, diria que o melhor seria: simples, basta estudar antes.

Em geral os métodos educacionais adotados no ensino superior não destoam significativamente das metodologias pedagógicas anteriores, muitas vezes agravados pelo estímulo à memorização e preparação a responder questões, elementos típicos associados aos processos seletivos que ainda perduram.

Trata-se efetivamente de mudar uma cultura. Antiga porque calcada em hábitos que vem da educação básica e arraigada porque envolvendo todos os atores, tanto estudantes como professores. No entanto, não há outro caminho capaz de formar pessoas preparadas adequadamente aos nossos tempos, daí o realismo de estimular a aprender a estudar antes. As novas tecnologias permitem que, de forma cada vez mais simplificada, os conteúdos sejam facilmente acessíveis a todos e com a devida antecedência.

Tendência 5: O fim da mezo escala nas instituições de ensino superior

Há uma tendência clara à incorporação das instituições menores pelas maiores, gerando a formação de empresas, as quais muitas vezes se estabelecem como capital aberto em bolsas de valores, espaços compartilhados de controle e de definição de valores.

Talvez seja ainda prematuro para emitir juízos definitivos de valor e tendências de ganho ou perda de qualidade. No entanto, é perceptível que tais movimentos caminham em direção à incorporação de metodologias educacionais padronizados, currículos unificados, ensino mais estruturados e cada vez menos espaço para metodologias inovadoras, dependente de conjunto específico de professores ou de especificidades regionais ou de propósitos peculiares a certo contexto ou clientela. Tende-se nas instituições componentes de um grande grupo a um processo de pasteurização metodológica, fruto do aproveitamento do fenômeno escala e otimização de custos.

Neste cenário, creio que sobreviverão, além dos grandes grupos, pequenas instituições, desde que consigam explorar suas especificidades e peculiaridades, bem como agilidade e ousadia de incorporar novos modelos acadêmicos. Fazer uso de suas escalas reduzidas, frente a uma conjuntura educacional em que todos estarão desafiados a se reestruturarem, pode ser uma agradável novidade em um cenário em que instituições de porte médio (mezoescala) tenderão a desaparecer.

Tendência 6: Extrema judicialização versus abordagens educacionais

Está em curso uma febre jurídica que assola a educação superior no país. Baseados na fé da capacidade normativa abundam decretos, portarias, resoluções e órgãos. Em que pese a boa fé das iniciativas, nada mais são do que reflexos perversos da falta de perspectivas educacionais. A ausência do saber o que fazer educacionalmente é preenchida pela edição de normas, sem perceber que as normas não só não induzem qualidade como, ocasionalmente, a prejudicam sobremaneira.

Curiosamente, os instrumentos jurídicos criados, que têm seus estímulos principais no controle do setor privado, geram máquinas de desestímulo às necessárias inovações e ousadias acadêmicas, as quais, em geral, têm no terreno normativo extremado seus maiores inimigos.

Em tese, o setor privado poderia estar experimentando novas experiências, em termos de modelos acadêmicos e adoção de metodologias inovadoras, com vigor e disposição. Mas, definitivamente, não está. Pelo menos, não na escala desejável.

As razões são múltiplas, mas o cerceamento normativo, fruto da extrema judicialização do ensino superior é uma das razões principais. Não se está fazendo uso, infelizmente, dos atributos resultantes de sua maior agilidade, de sua mais natural flexibilidade, especialmente em instituições de menor porte, e maior capacidade de impor comandos mais rapidamente.

As tendências acadêmicas experimentadas pelas pequenas instituições ousadas poderão no futuro próximo representar um desafio capaz de amedrontar o dragão dos empecilhos jurídicos normativos que ocupam os espaços educacionais.

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